sábado, 9 de abril de 2011

O "causo" de seu Agenor e das Lojas Pernambucanas

Seu Agenor era daqueles sujeitos cheio de amigos. Onde passava, com seu bom humor, fazia piadinha com todos quantos conhecia. Já com seus 55 anos, era namorador e não passava vontade, com sua Brasília último modelo, buzinava para todas quanto podia na rua.

Sempre arrumava um caso aqui, outro ali com as moças que lhe pareciam simpáticas e bonitas. Casado, pai de duas filhas, Dona Otília, sua esposa, lhe acompanhou desde que havia voltado do Acre alguns anos depois da segunda guerra, já que havia se alistado como soldado da borracha. Aprendeu como ninguém como era difícil a vida de Seringueiro.

No meio da imensidão da mata amazônica, nos alojamentos precários em que viviam os soldados da borracha, a única diversão possível era "conhecer" as poucas damas da noite que viviam em torno dos alojamentos. Eram tão poucas que formavam-se filas de soldados para a visitinha semanal. Ao contrário de seus colegas, Agenor iniciava a luz de lamparina, um curso por correspondência do Instituto Universal Brasileiro. Sonhava ele assim que acabasse a guerra, voltar para sua cidade e consertar rádios, que naquela época estavam começando a vender bastante.

Terminada a guerra, volta para sua cidade, onde apaixona-se por Otília que havia sido colega de sala de aula até a terceira série do primário, quando os dois abandonaram os estudos para ajudar na roça dos seus pais. Viam-se ocasionalmente em festas de igreja e nos bailes. Mas quando começaram a reaproximar-se, Agenor com seus 18 anos recém completos foi-se para as matas do Acre.

Logo que voltou, Agenor e Otília casaram-se. Ele montou sua oficina de conserto de rádios  como sempre planejara e sonhara. O problema é que na sua cidade só o prefeito, e mais meia dúzia de coronéis possuiam rádios ainda. Tentou então arrumar bombas dágua, alternadores dos poucos automóveis que existiam, já que tinha bons conhecimentos sobre elétrica e eletrônica através do curso feito nos alojamentos. Até bicicletas e carroças aventurou-se a consertar, mas tudo em vão. O dinheiro que entrava dava mal para comer, e com duas filhas pequenas, a coisa estava preta para o seu lado.

Junto com Otília resolveram ir para uma capital, pois certamente lá deveriam haver mais rádios e quem sabe até geladeiras. Arrumaram alguns sacos, e levaram tudo quanto podiam. Seis dias de viagem e chegaram em Rio Branco no Acre. Logo foram tratando de arrumar um canto onde pudessem ao mesmo tempo montar a lojinha de conserto de rádios. Passaram-se os anos, as filhas cresceram, e o negócio foi muito bem, ao ponto de 25 anos depois, no meio dos anos 70, possuírem casa e loja própria e uma Brasíla verde metálica, que era o sonho de consumo do Seu Agenor.

Quando conseguia escapar de Otília, enchia a Brasília de moças festeiras, e ia passear nas beiras de rio, levando muita cerveja gelada. No porta-luvas fitas K7 dos últimos lançamentos, desde Roberto Carlos, Amado Batista, Odair José, e muito iê-iê-iê da jovem guarda. E assim conheceu Luzia, moça recém chegada vinda do sul, alta bonita e com olhos verdes. Em pouco tempo Seu agenor já havia arrumado uma casinha para a moça morar, na mesma rua em que morava, no número 1579.  Luizia não tinha nada, a não ser uma cama que havia comprado quando chegara. Seu Agenor, já resolvido financeiramente, de pronto foi nas casas Pernambucanas e comprou tudo novo para a moça. Até geladeira, que ele mesmo havia adquirido somente 5 ano antes. Tv colorida que havia sido lançada no Brasil um ano antes, dormitório completo, máquina de lavar, liquidificar e tudo que uma casa completa precisasse.

Ele tinha uma caderneta de poupança escondida, e na compra, gastou a metade do que havia acumulado nos últimos 5 anos de trabalho, desviando o dinheirinho dos olhos de Dona Otília.

Compra feita, pagamento à vista em dinheiro, combinou com o vendedor a entrega na casa de Luzia. Era surpresa, Luzia nem imaginava que receberia tantos presentes. Caminhão carregado, foram entregar tudo para a nova namorada de Seu Agenor. Chegando lá, os entregadores não encontraram Luzia em casa. Casa simples, com aparência de abandonada, pois Luzia tinha a ocupado apenas 3 dias antes, os entregadores ligam então para o gerente da loja. O gerente que conhecia há anos o seu Agenor, logo imaginou que havia algum erro, pois o número da casa do seu Agenor era 979 da mesma rua. Sem perguntar ao vendedor, tratou logo de corrigir o erro, confirmou na ficha de cadastro do seu Agenor seu endereço correto e deu a ordem para os entregadores entregarem toda mercadoria na casa dele.

Foi com muita felicidade e alegria que a filha mais velha do seu Agenor, recebeu os entregadores. Logo mandou descarregar tudo, e não acreditando que seu pai faria tamanha surpresa para a família. Dona Otília com os olhos paralizados de alegria ao ver tanto eletrodoméstico sendo entregue, deixa escapar uma lágrima de alegria. Tudo com cheiro de novinho.

Enquanto isso, Luzia chegava em casa, seu Agenor ansioso, liga para ela perguntando o que ela havia achado da surpresa.
-Que surpresa pergunta ela?
-Umas comprinhas que fiz para você. Não entregaram ainda?
-Não, responde ela.
Seu Agenor contrariado, liga para a loja, metendo a boca no vendedor, pois a encomenda já deveria ter sido entregue há mais de duas horas.
Foi quando o vendedor lhe informou que tudo já havia sido entregue, e que sua própria filha havia recebido tudo.
Se não teve um infarto naquele dia, passou próximo. Não tinha mais outro jeito, e foi para casa. Nunca foi recebido tão bem por sua família, muitos beijos e abraços e agradecimentos das filhas e da esposa. Dona Otília até nesse dia, insistiu em dar uns carinhos a mais, que faziam anos que não existiam mais. Mas Luzia não saia da cabeça de seu Agenor. Além dela, outra coisa que não lhe saia da cabeça, era ter que sacar a outra metade da sua caderneta de poupança no dia seguinte para repetir a compra. Foi o pior dia da vida de seu Agenor. Quanto aos carinhos de dona Otília, resultaram infrutíferos. A "coisa" naquele dia não funcionou.

Paulo Henrique Jurgensen 09/04/2011